novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

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convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Ficção - O Caso do Dito

 Uma pequena explicação sobre este texto: ele foi escrito nos anos 1990-2000. Achei perdido no meio de outros papeis e resolvi trazer para cá. Na época eu assinava como Satya Rati.



Era um tal de diz que-diz que, que não tinha fim. Uns diziam que ela era, outros juravam veementemente que não. Ninguém sabia ao certo pois só era dito, nunca confirmado. Se foi algo bem dito ou mau dito, ninguém sabia nada. Mas também ninguém falava que ela era maldita ou bendita.

Era só sair na rua onde ela morava que já se ouvia o zum-zum, que estranhamente silenciava quando a dita cuja saía de casa e passava. Daí era um tal de cumprimentos, de sorrisos, de amabilidades... que cessavam imediatamente quando ela virava a esquina.

Diziam uns: "Ora, não é como o dito popular? Falem mal de mim, mas falem mim?". "Não"- dizia a outra vizinha, por sobre o muro - "o correto é : falem de mim, menos mal".

E assim ia a vida, podendo até esta história ter começado com um: Era uma vez um dito... Até que um dia se passou de boca em boca que a melhor amiga da dita cuja sabia da verdade. Espanto geral. Será que ela iria confessar a verdade sobre a melhor amiga?

Todos resolveram procurá-la, para poder enfim saber da verdade.

Encontraram a amiga no bar da esquina e perguntaram se era verdade o que diziam, se era, enfim, bem dito ou mau dito o que da dita cuja se dizia. Quando ela começou a abrir a boca para falar, todos emudeceram de boca aberta, num silêncio indagador.

E ela falou:

- Aquilo? Ficou o dito pelo não dito!




Texto: Susan Blum

Imagem: da internet

domingo, 24 de agosto de 2025

Ficção - real - Não estou em Gaza


Escuto os gritos de fome das crianças, mas não estou em Gaza.

Escuto os gritos das mulheres sendo estupradas, mas não estou em Gaza.

Escuto as bombas explodindo nos hospitais, mas não estou em Gaza.

Escuto os miados e latidos dos animais perdidos que não sabem o que está acontecendo, mas não estou em Gaza.

Escuto os gritos, os tiros e as ordens, mas não estou em Gaza.

Sinto o cheiro de queimado, mas não estou em Gaza.

Sinto o fedor da decomposição, mas não estou em Gaza.

Escuto o choro das crianças, mas não estou em Gaza.

Escuto o choro dos pais e mães que perdem seus filhos, seus bebês... mas não estou em Gaza.

Não consigo parar de ver, de escutar, de sentir e de imaginar... e não estou em Gaza.

Mas Gaza está em mim.

 


Susan Blum – agosto 2025