novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......
convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

FICÇÃO - FIAT LUX (concurso cultural)

E da escuridão se fez a luz.
Da luz veio, à escuridão retornará.
(Gênesis 1:32)


Os primitivos não se deixavam fotografar pois temiam que a máquina lhes roubasse a alma. De certa forma isso ocorre, não é à toa que Sandro Lanari odiou Nadar. Mas estou fugindo da história real. Esqueça a ficção. Vamos para a técnica: todos sabem que fotografia é a escrita da luz. Diz Dubois que é preciso que haja luz, que o sujeito (objeto) irradie luz para queimar a película sensível e ali permanecer a sua impressão. Assim, algo é realmente roubado da gente quando se tira uma foto: nossa luz!
Lucas sabe disso agora que leu o livro. Imagina o que aconteceria se ficasse a cada instante tirando fotos suas. Instala em toda a casa várias câmeras digitais que são manejadas de forma que, a qualquer movimento, são disparadas. Assim, Lucas é constantemente atingido pelo flash delas.
Lucas era um rapaz saudável, comia de tudo, adorava namorar, dificilmente ficava em casa. Seu sono era agitado como sua vida. De manhã via que havia MUITAS fotos dele dormindo. Cada movimento que fazia para ver as fotos de seu corpo nos braços de Morfeu, sentia o flash por todos os lados.
Na alquimia fotográfica cada luz é metamorfoseada em cor. Registros de bocejos, arrotos, piscadas, mal-humor, risos, falando sozinho, coçando o saco, comendo pipoca enquanto vê TV, sustos ou medos que se revelam no rosto durante o sono, risadas no telefone, dúvidas desconhecidas, ações inimagináveis. Flagrantes de pequenos delitos noturnos ou diurnos.
As garotas não queriam mais ir até sua casa. Achavam esse fetiche muito estranho. Lucas passou a ficar mais tempo em casa. Sentia-se, aos poucos, cansado. Não sentia mais vontade de sair. Movia-se lentamente para ir ao banheiro ou até a cozinha. Não sentia mais tanta fome como antes. Comia menos. Dormia cada vez mais.
Todo Lucas é flagrado, todo Lucas é atingido pelo flash que lhe rouba a luz irradiada dele e que queima a película tão sensível. Lucas vai se conhecendo, se descobrindo, na visão das imagens de si mesmo. Começa a perceber o que era dito nas aulas de meditação: auto-observação. Segundo Dubois a luz é necessária para o surgimento da imagem, mas também pode fazê-la desaparecer, apagá-la, eliminá-la. Por isso é tão importante para Lucas guardar e resguardar cada foto dentro de cartões pretos grossos. Não quer que suas fotos desapareçam.
Um dia percebeu que as fotos das formiguinhas que invadiam constantemente sua cozinha foram ficando espaçadas, até que pararam. O mesmo com os mosquitos que antes visitavam seu quarto em busca do sanguíneo alimento.
Uma manhã, ao se olhar no espelho, imagina ter se visto mais “apagado”, mais claro ou mais escuro (depende do ponto de vista). Resolve que não mais se olhará no espelho. Olha-se apenas através do olhar do “outro”: da máquina. Olha-se pelas fotos que lhe são apresentadas. Mesmo nelas vê que está se transformando em uma névoa sombrosa, mas que ainda tem consciência. Que ainda pensa e sente.
Um dia seu irmão, que morava em outra cidade, foi avisado pelo síndico que Lucas havia sumido. Veio, procurou, desistiu, e depois alugou o apartamento. Mas as pessoas rapidamente se mudavam dali, assustadas. Diziam que sempre avistavam uma sombra.

(este conto faz parte do livro Novelos Nada Exemplares - à venda em várias livrarias ou por aqui - peçam para mim)
Foto: ganhadora do concurso promovido no facebook. De Claudia Aromando. Título: Alma extinguida). 


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

FICÇÃO - Ô, Raios ! (texto Susan Blum e foto de Ari)

Ô, RAIOS!

Um estrondo fez o corpo estremecer. Ele acordou assustado, sentindo cada nervo pulando em seu corpo. Então reparou na tempestade lá fora. Raios e trovões “ribombavam” um atrás do outro, como seu coração agora.
Olhou para o relógio: três da madruga!
Virou o corpo imenso na cama, pensando em voltar a dormir. Mas a tempestade parecia fazer o prédio inteiro vibrar, não só seu corpo e coração. Tudo parecia envolto em alta energia.
Seus olhos pareciam ter vida própria, ele não conseguia fechá-los. Uma tensão pairava no ar.
Mais um forte estrondo e ele dá um pulo na cama. Literalmente. Agora está em pé ao lado dela. Resolve ir até a janela. Do 33° andar pode admirar a força da Natureza.  A potência da tempestade parece conectada a todo o prédio. Lembra que precisa solicitar ao síndico, Sr. Stein, que revise os para-raios.
Fica então observando a água como em uma cachoeira que fustiga os edifícios próximos, mais baixos. Nenhum transeunte, apenas  transientes. Cidade já vazia pelo horário, mais ainda pelo tempo. Nenhuma alma viva lá fora. Nem aqui dentro. Os choques que sente desde as pontas dos dedos dos pés e das mãos começam a incomodar de forma insistente.
Há uma frequência até nas distorções harmônicas. Seu cérebro parece letárgico, mas eletrocutado.  Como um pico de alta carga na corrente sanguínea.
Ele não se sente mais capacitado. Parece que tudo se desconjuntou. O sono entrou em curto-circuito. A luz forte explode trazendo correntes de perturbações.
A impotência toma conta e ele sente o corpo oscilando.
Estoura-se a storage.Um beep guard apita em seus ouvidos.

Com precisão, Frank  segue o caminho do raio...



(Texto: Susan Blum. Foto: Ari Lopes da Rosa - foto de setembro de 2012 - Campo Grande)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

REAL - textos de outros.

Sempre procuro escrever. Um pouco a cada dia. Um tanto a cada momento.
Mas na falta de tempo para elaborar melhor minhas ideias, acabo me aproveitando de amigos ou desconhecidos.
Trago hoje algumas reflexões que considerei pertinentes:


“Que a cada manhã, ao acordar, eu desperte um pouco mais para o que verdadeiramente me interessa. Que eu tenha delicadeza para acolher aqueles que entrarem na roda e sabedoria para abençoar aqueles que dela se retirarem.” (Ana Jácomo)


E pretendo fazer a MINHA lista de pequenas satisfações. Já tenho a minha "jarrinha" ao lado da cama, para colocar ao final de cada dia, os momentos felizes que vivi.

Um beijo a todos e um ótimo resto de fevereiro. 
Com frio, chuva e bons amigos!

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

REAL - Textos e imagens de Ivan

Caso alguém não conheça o maravilhoso e incrível ser humano que é o Ivan Anzuategui, não sabe o que está perdendo.
Ele devia ser objeto de livros, monografias, dissertações, etc.
Um ser humano fantástico!
Através da gentileza dele em ceder um material inédito é que posso apresentá-lo a vocês.
Vejam um pouco do talento desse homem que criou em uma determinada época charges, caricaturas e que também faz fotografias lindíssimas (textos e imagens a seguir, do próprio autor).


Nasci já faz sete  décadas. Mas, insisto em cantar.
Era o cerrado paranaense hoje extinto, não fossem agora os míseros 400 hectares confinados no Parque Estadual do Cerrado, município de Jaguariaíva.
O capitalismo das commodities e a imigração dos colonos holandeses botaram abaixo a natureza nativa, em nome da soja, do milho, do trigo e dos pastos pra vacada de luxo, malhada de preto e branco.
A família se enfiou num caminhão de mudança e bateu chão até Curitiba. Missão: educar as três crianças, eu o mais velho.
Colégio Estadual, faculdade, muitos empregos pela vida afora, sempre ligados às letras, texto, jornalismo, desenho. Agronomia e jornalismo, as profissões de carteira.
Casório, ex-casório, ajuntório, aprontório, o mundo seguindo entre uma guerra mal acabada e outra(s) por começar(em).
Mas nunca me saíram da cabeça os cantares do chão seco, a solidão do  meio do mundo, a viração de todo dia para merecer a janta, sem precisar vender o almoço.

Um pouco desse canto vai nos versos que dedico ao povo que morava no Distrito do Cerrado, depois rebatizado de Cachoeirinha. Por fim,  que virou município de Arapoti.
Mas, aí, a morte já rondava o meu cerrado.


"Distrito do Cerrado"


Onde corre o Rio das Cinzas,
Cresce uvaia, jurubeba.
Fuça o chão o tatu-peba
Água molha as pedras lisas,
Onde o lobo-guará pisa,
 Vem ali matar a sede.
Cerrado seco, sem verde
Faz noite de lua cheia
Esqueço na rede a peleia
No campo meus olhos se perdem.
 

Os galos encordoam cantos
Mais uma hora e clareia
A aranha inda arruma a teia
Dou três bocejos, levanto
Acho a sandália num canto
Ponho água na bacia
Vou pra fora ver o dia
Mas, antes, me lavo a cara
As roupas secas, na vara.
Me visto. O inhambu pia.

O que fiquei de contar
Espero o dia acabado
O corpo na bica lavado.
Vou me ajoelhar e rezar
A vela acesa no altar
Da capelinha de oiti
Que do meu pai recebi
Mas veio da antiga senzala
Pra prateleira da sala.
Era antes que eu nasci.

Já cheira o café adoçado
Coado no bule de esmalte
Chamo o cachorro e reparto
O ovo mexido, o virado,
o leite, o aipim assado.
Limpo o chão da patativa.
Banana e melão pra tiriva.
Vou bem cedo pro roçado
Foiçar o capim pro gado
Chuchar no eito as manivas.


Passo o dia matutando.
Quando me esticar na rede,
Ou, numa cadeira do alpendre,
Co'a viola ponteando
Os versos que vou declamando
O que tirar da memória:
Fazer uma nova história?
Fingir que é tudo verdade,
Chorar sem fazer alarde
E rir desta vida inglória.

Durmo em rede de solteiro.
Vivo só. Só eu comigo.
Por isso, as coisas que digo,
Minhas rimas de violeiro
São as dores de um caseiro.
Quem ouve? Um cão, passarinhos.
Oh, ermo! não tenho vizinhos,
Mas teimo em tirar cantoria
Da minha vida vazia,
No fim deste meu caminho.
  


Creio que a maioria das pessoas conhece os elementos. Mas vou copiar aqui um trecho que Ivan me escreveu, por e-mail: 
"A palmeira é um buriti.
Planta que é marca registrada no cerrado.
Citada por Guimarães Rosa e tantos outros.
Ela cresce nas chamadas "veredas", que são galerias encharcadas, que percorrem as partes baixas dos campos. E permanecem verdes o ano inteiro. Ao contrário do campo, onde tudo seca e tem aspecto de queimado.")

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

FICÇÃO - (poesia) - MINERAR


MINERAR


Eu não quero VEGETAR.

Eu prefiro ANIMAR.

(poema: Susan Blum. Imagem: retirada da internet)
Inspiração para o título: Mario Freitas.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Toda Letra - Crônica "Máquina do Tempo"

Saiu mais uma crônica minha no Toda Letra!
Vejam..
MÁQUINA DO TEMPO.

Acompanhem!


(desenho: Mario Freitas)

Inventei a máquina do tempo!  E ela é movida a teias.
Teias de relações que me fizeram ir para a faculdade de Letras por causa de um ex-namorado que me fez ver a minha paixão por literatura. Faculdade que me fez conhecer, em uma disciplina, o Bruno, também apaixonado por fotografia-literatura. Que me apresentou o fotógrafo Dimas, no facebook. Que me levou ao grupo Espaço Fotógrafo, onde conheci a Goretti, que me levou ao Croquis Urbanos. Lá conheci o Mario Freitas, um dos coordenadores da Caminhada Observacional.
Mas o que isso tudo tem a ver com a máquina do tempo? Na verdade, tudo isso tem a ver com uma coisa que me levou a escrever a crônica: um TOMATE!
“Um tomate? – perguntará o inocente leitor – o que um tomate tem a ver com teias e como uma coisa como um tomate pode provocar um texto?” Eu poderia então falar sobre os textos poéticos de Francis Ponge (MARAVILHOSOS textos poéticos) em que ele se inspira em uma mimosa, ou uma caixa de engradado, ou um pedregulho. Objetos que permeiam o nosso cotidiano, mas que geralmente não são vistos com um olhar poético. CLARO que não estou me comparando a este grande poeta! Mas não vou falar sobre ele. Não é o objetivo aqui.
Para entender um pouco mais sobre o que pretendo trazer, preciso falar de hipertextos. Portanto, gostaria de citar Kristeva, que disse que todo hipertexto tem uma intertextualidade. Ela disse em 1969: “todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é a absorção e transformação de outro texto”.
Tudo começou quando o meu mais recente amigo, Mario Freitas, colocou no facebook um desenho de um tomate que ele fez. Já o admiro por muitas coisas, afinal, ele provoca e instiga a gente o tempo todo, nos ensinando sobre física, fenômenos, arquitetura e artes. Mas o fato de ele ter iniciado um curso de desenho utilizando uma técnica totalmente desconhecida (desenho com esferográfica) e já postar no face o resultado me surpreendeu. Este é o desenho postado por ele:
maça
Ou seja, tudo isso por causa do "Tomate Rasteiro".  Segundo Mario Freitas, sua descrição é a que segue: “policromia de esferográfica sobre papel canson, só a projeção da sombra foi deixada para terminar em casa, complementando com a junção entre a sombra e base do tomate. Na composição do vermelho escuro não foi usada a caneta preta, mas a verde, por ser a cor complementar e proporcionar um tom mais apropriado. Um pouco de caneta amarela próximo do cabo sugere que ainda não está totalmente maduro. O longo tempo de aula para a aprendizagem das técnicas envolvidas nesse trabalho acabou deixando pendente para os próximos dias a finalização do curso: vou apresentar ao professor uma nova natureza morta, feita do início ao fim sem a sua intervenção, para só então ter um parecer da sua parte. Trabalho que resultou da oficina oferecida pelo prof. Eliezer Bueno”.
Ele vai dizer que é um desenho de amador, cru. Mas vocês devem convir comigo que é belíssimo. Acontece que este desenho trouxe o gosto caído nos olhos de jabuticaba da menininha Susan que brilharam sabores quentes. E me levaram a escrever o que segue (texto que transcrevo do facebook):
“A água gorda dos astecas. A fruta que todos acham que não é fruta. Verde, amarelada, vermelha. Tantas cores reunidas. Água gorda, brilhosa, saborosa, chamativa. Se ela desse em árvores, eu diria que foi ela o fruto ofertado para Eva. Serpente esperta, um dos animais mais inteligentes que Deus criou.
Dizem que no início esta fruta era somente usada como enfeite em jardins. Tão linda aquela bolinha vermelha reluzente. Depois passou a frequentar pratos culinários. Seu nome é praticamente o mesmo em diversos países. Mas tem outro na Itália e na Rússia.
Mas o que me importa neste texto é falar sobre a fruta não de forma científica ou histórica. Nem romantizada como pomo d'amore - fruta do amor (dizem que tem efeitos afrodisíacos, mas o que é oficial é que ela faz bem como preventivo ao câncer de próstata, em até 50%).
O que quero falar é sobre o desenho dela. Um novo amigo a desenhou. Uma policromia de esferográfica em papel canson. Uma canção em vermelho, com leves notas verdes e amarelas. Não imaginei que a caneta esferográfica pudesse ter traços tão leves... pianíssimo!
O jogo de luz e sombra, tal qual teclas de piano, trazendo a melodia de um molho profundo e denso. Não maduro (o tomate, não o desenho). Apesar de saber que o desenhista dirá o contrário. Mas o que é um desenho maduro? Na minha humilde opinião, é aquele desenho que provoca arrepios, reflexão ou desejos. E o desejo de um tomate ainda quente do sol - antes de ser bicado pelo passarinho, que eu roubava do pé no quintal, sem meu pai ver...  voltou. Eu levava para o fundo do quintal um pouquinho de sal, e me escondia embaixo da parreira, para devorar o tomate.
Ou seja, este tomate não é rasteiro ... é profundo... é alto. Alcança estrelas, alcança memórias antigas. Fico surpresa com um desenho tão bom em tão poucas aulas. Isso me anima a tentar também. Obrigada por isto, Mario!”
Enfim. Esta é a crônica. Espero que o leitor mais atento tenha percebido o que eu pretendia. Que nada está desconectado aqui. Que as ligações, teias, conexões, são fios, linhas, gavinhas, elos, que ligam, interligam, conectam, enrolam, mesmo que NÓS não tenhamos a mínima ideia do que está acontecendo.
Que cada leitor faça seu próprio link.
E que este ano que se inicia possibilite mais e mais relações, hiperlinks, teias e mosaicos, para cada um de nós. Mesmo que enxerguemos tudo apenas longe, seja no tempo, seja no espaço.
tomate
(Desenho: Mario Freitas. Foto: Susan Blum.)

REAL - conversas de ônibus

Andar de ônibus sempre me rende boas histórias e causos.
Basta estar distraído com atenção (uma lição que sempre repasso aos meus alunos de criação literária).
Há anos, anoto o que escuto (não confio na minha memória).
O caso que contarei agora aconteceu há uns dois anos:
Duas senhoras matronas adiposas estavam conversando, era de manhã BEM cedo, aparentavam ser secretárias domésticas. Uma delas estava reclamando que não conseguia deixar de ser “graúda”. Ao que a colega replicou: “Você devia usar preto. Dizem que preto emagrece”. (caro leitor, eu sei que você vai pensar que é piada, mas não é. Juro!)
Ao que a corpulenta responde: “Mentira! Usei preto por dois meses e não emagreci nem um pouquinho!”
(a gente pensa que acaba por aqui, mas ainda há a resposta da amiga):
- é mesmo? Que coisa! Como mentem pra gente!


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Hoje (06/02) o dia foi muito mais profícuo. Pois várias histórias foram acontecendo, uma vez que “viajo” desde o tubo do Hospital Cajuru até o Terminal do Campo Comprido. Escolhi duas:
No meio do caminho, ali no Centro ele parou em um sinaleiro e minha janela (eu estava sentada enquanto outra centena estava em pé. Olhei para o lado e vi uma placa no tapume de construção: NÃO HÁ VAGAS. E embaixo, em letras menores, o mesmo aviso, mas em inglês. Pensei comigo: “é para os haitianos” (já comentei sobre os haitianos na crônica para Toda Letra - http://www.todaletra.com.br/2013/06/o-haiti-nao-e-aqui/)
Então me viro de novo pra dentro do ônibus, observando as pessoas lá na frente, quando escuto ao meu lado uma mãe perguntando: “Filha, o que está escrito ali?” E a filha, uma menina de uns 14 anos, dizendo: “Parece que é ‘paz no trabalho’, mas está escrito tudo errado.”
Fico curiosa e olho de novo para a placa. Realmente, havia mais uma frase escrita, menor, acima do grande NÃO HÁ VAGAS:
Pas du travail.
Sorrio. A leitura que a menina fez é legal, poética. Mas equivocada. Penso em explicar para elas que se trata do mesmo aviso, mas em francês. Porém, ao olhar para elas, vejo que estão “bem vestidas” e seguro minha boca a tempo. Prefiro ficar quieta e tento me lembrar do porquê. Mais de uma vez esclareci algo, dentro do ônibus, para pessoas como elas e fui tachada de exibicionista. Em vez de verem como uma oportunidade de aprendizagem, eles consideram a pessoa arrogante. Uma pena.
Pena que para não passar por convencida meu ego frágil escolha o silêncio.
Pena que a sociedade está assim.
Pena que preferi a mudez!


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Segunda situação que vale a pena ser contada. Mãe e filha descem na Rui Barbosa. Dois amigos ficam ao meu lado. Uma garota e um rapaz de uns 17 anos. Estão comentando sobre a escola, pois terminaram o ensino médio e estão falando da saudade dos colegas, sobre a escola. Então ela comenta que achou o ensino MUITO fraco, que era um absurdo passarem sempre todos, que não podia ser assim. Que ela mesma sabia que nunca estudava, que não aprendia nada. Argumentos que eram logo concordados pelo amigo, que complementava que deviam reprovar na escola! Depois passaram a falar de colegas que viam muito ou pouco. Relembrando do terceiro ano. Ele diz:
- a maioria das pessoas que eu conversava era do 3° ano.
E ela:
- eu também! A maioria não! Noventa e nove vírgula nove por cento!
Eles continuaram a conversa, animados. Mas eu não consegui mais seguir.

E desisti de ouvir mais conversas por hoje. Peguei o livro da bolsa e mergulhei nas letrinhas.