novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......
convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

segunda-feira, 28 de julho de 2014

REAL - Sabedoria Popular (Ricardo Ramos Filho)


A sabedoria popular sempre me pareceu uma verdade inquestionável. Estão aí os ditados que não nos deixam mentir. Um deles, por exemplo, diz: “Deus ajuda quem cedo madruga”. Mentira! A maior parte do povo acorda muito cedo, trabalha de sol a sol, não tem vida fácil. Não há, evidentemente, ajuda divina. Eles até gostariam de ter uma vida melhor, mas quem disse que “Querer é poder”? Quando o frio chega, e como tem feito frio, não adianta decretar “Deus dá o frio conforme o cobertor”. Muita gente vai dormir tremendo e bate os dentes a noite toda. Sim, é só uma questão de tempo, e “Com o tempo tudo se cura”. Não cura! Muitos morrem pobres, de câncer, sem acesso a tratamento. Choram e ninguém ouve, apesar de sabermos que “Quem não chora não mama”. Choram e não mamam. Pois é, não entendi. Esses ditos parecem coisa daquela elite branca que foi aos estádios na Copa. Conversa para boi dormir. Ou não?(Texto: Ricardo Ramos Filho. Imagens: internet)
Agradeço ao amigo Ricardo pela disposição em ceder o texto.

domingo, 20 de julho de 2014

FICÇÃO - Lã negra

Sacolas cheias de lã negra pendiam de suas mãos cheias de fios enrugados e dedos enosados.
Os jovens vizinhos quase não a viam sair de casa. Ela era quieta e soturna. Bom para eles que, recém-casados, viviam as tertúlias amorosas em todos os instantes possíveis.
Moradora do terceiro andar, eles nunca viam visitantes. A mocinha, já cansada das subidas ao segundo andar admirava a força de vontade da senhorinha que volta e meia subia com sacolas de lãs. Até pensava na possibilidade de - engravidando - pedir roupinhas de bebê.
A vida seguia seu labirinto normal, com altos e baixos, obstáculos e retornos.
Pequenas brigas do jovem casal logo eram resolvidas com enlaces amorosos tal qual duas aranhas na cama.
Teciam birras, para destecerem logo depois.
Pequenos nós de mágoas logo eram cortados com beijinhos e presentinhos.
Um dia um cheiro ruim começou a invadir o apartamento. A jovem insistia para que ele limpasse os encanamentos, os ralos, os banheiros. Mas o cheiro persistia.
Lançavam jatos de perfume antes de sair de casa. Acendiam incensos. Mas nada resolvia. Um dia foram atrás do cheiro e perceberam que vinha do apartamento da senhorinha. Bateram na porta, tocaram a campainha... e nada!
Depois de uma semana, resolveram chamar um chaveiro. Já que nunca a viam, pensaram que ela devia ter viajado e deixado algo estragado na casa. Iam limpar e depois avisar a senhorinha.
Ao abrir a porta o viram: enrugado, enegrecido, carcomido... pendia, nu, do ventilador de teto, tal qual fruta podre.
A única vestimenta: um cachecol de lã negra no pescoço.

Ariadne havia libertado seu Minotauro interior.

(Texto: Susan Blum. Imagem: internet)

sábado, 19 de julho de 2014

REAL - Que chique!

Que chique!  Lacinhos rosados em cada tufo de pelo branco balançam junto com o rebolado da cauda lulupomerânica. Chique. Seu dono também desce do carro chique, com seu terno vinho sommelier e seus preciosos minutos sendo registrados pelo chique Patek Philippe Henry Graves. Passeavam ambos pela praça pequena próxima de minha casa.

Que chique!


Eu observei a cachorrinha chique ficar na posição que qualquer cão guapeca fica quando precisa “purgar”. O objeto que de lá sai também é igual ao de qualquer vira-lata e o cheiro idem. Chique. Muito chique.

O homem chique pega uma sacolinha do bolso (não deu para ver de qual loja chique que era). De forma chique ele catou o “objeto” e deu um laço chique nela.

Foram andando de forma chique até o carrão que apitou sozinho e abriu suas portas para o pulo lépido da chique cachorrinha.

Pensei: “pelo menos ele dá o exemplo e leva o cocô da sua cadela”.

Que chique!

Ele também entra no carro, põe a mão esquerda para fora com a sacolinha pendurada e liga o carro. Seu braço chique, abraçado pelo relógio chique, segurando o cocô de forma chique: com seu minguinho e anelar levantados e os 3 dedos segurando a embalagem na pontinha deles.

Penso: “Nossa! Ele é tão chique que sequer leva a sacola de cocô chique dentro do carro chique.”

Mal ele vira a esquina, vejo-o – de forma chique – deixar a sacola cair na rua, ainda com o dedinho levantado.

É. Ele era chique demais para o meu gosto.

Que chique...........eiro.