novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......
convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

sábado, 13 de abril de 2013

REAL - coluna quinzenal TODA LETRA - Tecendo as letras

Quando fui convidada para escrever quinzenalmente para a Toda Letra, aceitei prontamente, pois um dos grandes prazeres que tenho na vida é escrever. Pensei em iniciar com um pouco de reflexão. Combinei com o jornalista Bressan que tentaria ao máximo postar textos inéditos (mas com a possibilidade de publicar algo antigo). Por enquanto, até a data de hoje, consegui o feito. Mas também combinamos que, após algum tempo, eu poderia inserir em meu blog. Assim, trago hoje para cá o primeiro texto que escrevi. Obrigada, Toda Letra, por me proporcionar este contato com seus leitores!

TECENDO as letras
 
Texto, segundo Barthes em seu O prazer do texto,
“quer dizer Tecido; mas, enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a ideia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através
de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido
– nessa textura – o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas
de sua teia” (Barthes, 2004, p. 74/75).  As minhas tecituras começaram cedo, com o Apólogo de Machado de Assis, passando pelos galos tecendo a manhã de João Cabral, costurando os botões em greve da Rita Apoena, alinhavando a moça tecelã de Marina ou Penélope de Dalton. Enfim,
são tantos fios inspirados por Aracne, que fica difícil escolher algum para o meu texto. Gosto das histórias sobre as parcas que posso ver como metáfora da escrita: criação, desenvolvimento/destino e a “morte” do MEU texto
para uma ressurreição no olhar do leitor que passa a ser novo dono do texto, tecendo com sua bagagem pessoal. Ou o fio
de Ariadne que vai nos conduzindo no labirinto
das diversas leituras/caminhos.
Ai daquele que “fura” o dedo ao manusear o tear e acaba adormecendo na leitura. Perderá toda possibilidade de boas leituras enquanto não tiver o “beijo” de algum mediador
ou contador de histórias que o desperte para o ler. São muitos fios, muitas agulhas, muitos tecidos a serem desvendados. Um verdadeiro mistério. O sétimo mistério de Osman Lins. Sim, homens também “costuram”.
Veja Dalton Trevisan, Julio Cortázar, Machado de Assis
e Osman Lins, entre vários outros.
A costura sempre esteve afinada com a literatura. Pegar
a linha do enredo, perceber a trama do discurso, perceber
os fios correndo na folha, entrecruzando-se, produzindo
um outro discurso que se emaranha em outros fios, costurando os pensamentos e sentimentos. De ponto
em ponto vai-se aumentando o conto. Um verdadeiro mundo/patchwork de informações.
O escritor não quer vender um texto/tecido, mas sim
mostrar que também o leitor tece.
Mas… onde eu estava mesmo? Perdi o fio da meada…
 
*Susan Blum Pessôa de Moura, formada em Psicologia (PUC-Pr, 86) e em Letras (Universidade Federal do Paraná – UFPR, 2003). Mestre em estudos literários (UFPR, 2004). Possui publicações acadêmicas em revistas literárias como Fragmentos (UFSC), Letras (UFPR), Magma (USP) e Alpha (Unipam). Autora do livro de contos Novelos Nada Exemplares (2010) e participante da coletânea de contos (de autores paranaenses) Então, é isso? (2012). Pesquisadora no Grupo de Estudos sobre o espaço (UFPR) desde seu início em 1999, ministra cursos de criação literária no CELIN da UFPR (desde 2008) e escreve quinzenalmente para a Toda Letra. 

(texto originalmente publicado em http://www.todaletra.com.br/2013/03/coluna-da-susan-1-tecendo-as-letras/)

terça-feira, 9 de abril de 2013

REAL (poético) - Billy Elliot brasileiro no Uruguai

"A felicidade outonal estava dançando dentro do menino..."
As teclas e sopros dos instrumentos outonais vão amarelando e caindo. Tons, semitons, dançam ao som da brisa do sul.
Seduzem as solas dos pés que pulam, sacodem o ar, beijam rapidamente chão, dão novo alento para as folhas de outono que voam para os lados.
A leveza do momento paira acima do solo, como o sonho de Billy Elliot que sapatilheiam no sépia. Um balé da alegria infantil, um lago de folhas sem cisnes, um quebra-folhas tchaikovskyano.
Pezinhos sapecas que querem seguir os passos maternos.
Perninhas que ronronam, corpinho que se aconchega felinamente nas pupilas dos olhares dos pais. Pais que observam a dança espontânea de uma alma renascendo.
O Nascido com a manhã (ou Luz) e a Mulher de Poder que delicadamente bordam a marcha do Filho da Felicidade.
Vai, voa, Benjamin Elliot. Em Montevideu.

(uma pequena homenagem aos amigos Lúcio, Andréa e o filhote dançarino Benjamin)
(Texto: Susan Blum. Fotos: Lúcio Esper)

domingo, 7 de abril de 2013

REAL - (reflexões) - comunicação truncada

O ser humano é o que tem, "aparentemente", o melhor sistema de linguagens do reino animal.
Mas apesar de sabermos ler, escrever, falar e desenhar... apesar da linguagem corporal e visual... 
apesar de todos os meios...
 ainda há falsas leituras e interpretações equivocadas que ocorrem de acordo com o desejo pessoal de cada um. Ainda somos tão centrados em nosso próprio umbigo que achamos que o outro pensa, sente e age como nós. E julgamos o outro através dessa bagagem de vida que temos.
Vamos para alguns pontos a serem percebidos, analisados e refletidos:
Um amigo meu postou a seguinte história, para basear a ideia de outra reflexão que fez.

Ele e Ela são casados. Ele, então, faz uma pergunta para Ela, em tom de determinação: "Posso ter uma amante, além de você?". Ela fica nervosa. Nunca havia sequer pensado nesta possibilidade. Hesita por alguns instantes. Mas, injuriada, Ela finalmente responde: "Não!". 
Agora, vejamos o que existe nas entrelinhas do primeiro ato desta pequena história real. Jamais podemos esquecer que o primeiro ato de qualquer arquitrama encerra informações vitais para o desenvolvimento do segundo e do terceiro atos. E quando as personagens são absolutamente lineares, basta prestar muita atenção no primeiro ato para sabermos com antecedência como a história se desenvolve e termina. Vejo inúmeros exemplos disso no cinema de má qualidade (como o filme Ilha do Medo, de Martin Scorsese) e na vida pessoal e profissional de indivíduos que conheço.
O simples fato de que Ele fez essa pergunta, já demonstra claramente que Ele não está satisfeito apenas com Ela. Portanto, é inevitável o envolvimento extra-conjugal. Ele realmente quer uma amante. Ela, por outro lado, não reagiu instantaneamente. Hesitou. E a hesitação é uma porta entreaberta. 
Ele consegue uma amante, a qual já cobiçava há algum tempo. Logo em seguida, Ele apresenta a desejada amante para a esposa. Silenciosamente, Ela aceita a nova realidade. Afinal, Ela é dependente financeira e emocional d'Ele. Ela é submissa.
Ele a traiu? Depende do ponto de vista. Do ponto de vista d'Ele, não houve traição alguma. Afinal, desde o início Ele sabia que Ela aceitaria a realidade de uma amante. Aquela hesitação era tudo o que Ele precisava saber. Não são palavras que definem o caráter de pessoas, mas ações. Além disso, Ela realmente aceitou a amante, apesar de jamais ter sido a mesma esposa amorosa de outrora. Do ponto de vista d'Ela, porém, a confusão em sua mente é grande demais para definir se houve traição. Afinal, traição não permite espaço para perdão. 

Primeiro ato "o simples fato de que Ele fez essa pergunta, já demonstra claramente que Ele não está satisfeito apenas com Ela. Portanto, é inevitável o envolvimento extra-conjugal. Ele realmente quer uma amante. Ela, por outro lado, não reagiu instantaneamente. Hesitou. E a hesitação é uma porta entreaberta."

Reflexão: temos que levar em consideração que ele poderia estar "testando" ou "brincando" com ela. Coisas bobas, sem dúvida, mas o ser humano tem uma tendência a testar ou jogar com o outro (ainda não entendo o porquê disso). Ela poderia ter hesitado por estar justamente pensando: ele está brincando? ele está me testando? E ele vê esta hesitação como uma resposta de porta entreaberta para o que ele realmente deseja: ter outra.
Em uma coisa concordo totalmente: se ele está fazendo esta pergunta de forma séria, COM CERTEZA não está satisfeito apenas com ela.
Mas aqui temos outra questão a ser pensada: NINGUÉM nos satisfaz plenamente. NÃO existe alguém que nos preencha TOTALMENTE. Por isso continuamos a ter amigos, interesses diferentes (sejam culturais, profissionais, hobby, etc) e preenchemos estes "vazios" com eles. Mas daí a ter que precisar de um amante, daí é diferente, pois indica insatisfação sexual (no meu ponto de vista). Coisa que (com uma BOA conversa) pode-se resolver. O problema é que (apesar de ter um ótimo sistema de linguagens - como falei no início) o ser humano não sabe se comunicar. Ou tem vergonha de falar sobre sexo com o próprio parceiro (a), ou não quer mostrar que está insatisfeito (o que acaba por matar de vez a relação). Não percebe que o remédio está à mão e adoece, mais ainda, a relação. Sinceridade é ESSENCIAL.
Outra palavra importante para se ver a personalidade desse "esposo": inevitável. Inevitável? Somos tão fracos assim a ponto de justificarmos as nossas ações com o fatal "inevitável"? (Querida, foi inevitável! Eu tinha que matar! Eu tinha que estuprar. Eu tinha que te trair, ela estava nua na minha cama. Ela se jogou em cima de mim). Estranho como a cultura machista ainda impera. A mulher pode (e deve) não ceder aos galanteios ou forçadas dos homens. Mas para o coitadinho do homem é muito difícil dizer não para uma mulher nua se insinuando. (e depois eles não gostam que as mulheres sejam chamadas do sexo forte. Mas se eles são tão fracos a este ponto... sexo frágil é  este homem que julga INEVITÁVEL trair).


Segundo ato: Ele consegue uma amante, a qual já cobiçava há algum tempo. Logo em seguida, Ele apresenta a desejada amante para a esposa. Silenciosamente, Ela aceita a nova realidade. Afinal, Ela é dependente financeira e emocional d'Ele. Ela é submissa."
  

Reflexão: Ahá. Revertemos a análise aqui. Ele JÁ cobiçava outra! Logo, apenas confirmamos o que refletimos acima: ele fez a pergunta apenas como forma de ter elementos para "culpar" a esposa por permitir que ele buscasse algo fora. E é tão covarde que não termina com ela. Tem muitos seres humanos assim, como não têm coragem de terminar uma relação vão fazendo diversas coisas que sabotam aos poucos o convívio. Fazem com que o "outro" termine, assim não se sentem culpados. E ainda podem sair zangados ou "tristes" na separação, dizendo que amava de verdade, que queria ter tentado de forma séria. No caso dessa história é pior ainda, pois detém o poder financeiro sobre a esposa. Nem vamos entrar na questão de dependência emocional (pois de um certo ponto de vista ele também é dependente dela, senão teria terminado com certeza. Mas ele não quer perder nenhuma das duas. Uma pessoa egoísta sem sombra de dúvida). Mas, há uma lição poderosa aqui para as mulheres: NÃO sejam submissas!

Terceiro ato: "Não são palavras que definem o caráter de pessoas, mas ações. Além disso, Ela realmente aceitou a amante, apesar de jamais ter sido a mesma esposa amorosa de outrora."

Reflexão: Vamos lá: sim, o caráter de alguém está na ação e não na palavra. Dizer que ama, que vai ser fiel, que será amoroso e cuidadoso pelo resto da vida é uma coisa. FAZER isso é o que prova o amor. Mas vejamos aqui que, de novo, aparece a "culpa" sendo jogada somente para uma pessoa: "apesar de jamais ter sido a mesma esposa amorosa de outrora"
Huumm, e ele? continua o amoroso de outrora? Continua abrindo a porta do carro como antes? Enviando torpedos carinhosos como antes? Fazendo surpresas como outrora?
A "culpa" de um relacionamento não dar certo (apesar de gostar do termo de que todo relacionamento deu certo por um tempo) nunca é só de um. Os dois tem parcelas de erros. Mas acredito que sempre há possibilidade de reacender a chama da paixão.

Quarto e último ato (para finalizar): "Afinal, traição não permite espaço para perdão. "  

Reflexão: eu acreditava nisso, não conseguia perdoar uma traição. Até uns meses atrás (conforme coloquei no face e aqui no blog). E posso garantir que a sensação de se perdoar alguém é pura e simplesmente divinal. Um peso enorme sai de nosso coração. Um alívio invade a alma.

Mas... voltando ao ponto da postagem:
A comunicação continua falhando. E trabalho isso em sala o tempo todo, com meus alunos. Levo poemas, contos, imagens, etc, que revelam o quanto podemos nos equivocar. Duas dessas imagens são as que seguem abaixo.
Agora vamos ver de outro ângulo:
Mas, não podemos nos esquecer que mesmo vendo a coisa desveladamente, ainda há a cortina de nossa bagagem pessoal (se fomos abandonados algum dia pelos pais, por exemplo).
Assim, veja onde você está, e perceba que o outro está em outro lugar (emocionalmente, psicologicamente e espiritualmente falando).
 Coloco estas questões porque considero que é importante sempre  refletirmos sobre as coisas. A pessoa que coloca algo como certeza absoluta está perdendo a chance de aprender. Lembrando também a fala de Morin:  
Cada mente é dotada também de potencial de mentira para si próprio (self-deception), que é fonte permanente de erros e ilusões [...] a tendência a projetar sobre o outro a causa do mal fazem com que cada um minta para si próprio, sem detectar esta mentira da qual, contudo, é autor. (MORIN, 2003, p. 21)

(enfim... pequenas reflexões para se pensar).
(Texto: Susan Blum. Imagens: internet. As duas imagens do homem, mulher, muro e flor: livro "O corpo fala", de Pierre Weil. Texto do casal: Adonai Sant´Anna em http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2013/04/submissao.html)

sábado, 6 de abril de 2013

FICÇÃO - Azinofobia

Uma das disciplinas que administro lá na U.P. é língua portuguesa. Sempre procuro adaptar a disciplina ao curso em que está inserida. Em Direito uso textos de literatura envolvendo leis, lógica, etc. (como Diante da Lei, de Kafka; Conde de Monte Cristo; etc). 
Para publicidade e propaganda procuro dar vários tipos de literatura (crônica, poesia, romances, contos) e trabalhar a criatividade na produção de texto. Assim, uma das possíveis tarefas
(mudo a cada ano), é o uso de coesão e coerência (que explico em aula anterior) em um texto que eles farão utilizando palavras mais desconhecidas como: eubage,  flatulência, amplexo, ósculo, rubicundo, fleumático, vítrice, misógino, etc.
Entre estas palavras eu incluo algumas fobias.
Muitas vezes esta tarefa é solicitada após leitura
do texto Defenestração, do Veríssimo.
Vejam que belo texto criativo (e com coesão e coerência)
surgiu (esta tarefa é feita em sala de aula, nos 60 minutos que
lhes restam). Solicitei permissão da aluna que me concedeu
a oportunidade de compartilhar com vocês (não esqueçam que
eu dava a lista de palavras e pedia que usassem apenas aquelas que eles NÃO conheciam o significado, também era tarefa que eles buscassem - por conta - o significado depois, em casa): 

"AZINOFOBIA"

Acreditava ser o menino mais corajoso do mundo. Comprou um dicionário de fobias - uma palavra por dia e foi se convencendo de que não tinha medos.

Dia 1 - "acluofobia - medo de seguir pistas (vem do inglês clue)". É claro que não tinha medo disso, adorava desvendar mistérios!

Dia 2 - "afefobia - aversão à interjeição 'aff', frequentemente utilizada na internet". Ele utilizava essa interjeição até oralmente, obviamente não a temia.

Dia 3 - "agorafobia - medo de frequentar praças (vem do grego ágora)". Essa, com certeza, ele não tinha. Gostava de fotografar praças.

Dia 4 - "amatofobia -  medo de amadores". Ele mesmo era um fotógrafo amador, como poderia temer a si próprio?

Dia 5 - "atiquifobia - medo do barulho dos ponteiros do relógio". Quê?  Quem tem medo do "tic-tac" do relógio?

Achou que tudo isso era uma perda de tempo e parou por aí. Nunca descobriu, entretanto, que tinha medo de temer. Temia qualquer tipo de fobia - de A a Z. Viveu corajosamente e morreu sem saber: tinha AZinofobia.
  
Lissa Wan.