“Tu podes ser senhor
do que falas; mas serás um eterno escrevo do que dizes”
(Lao_Tsé)
A boca, inconsequente e delirante, como era,
escancarou-se num berro alto e indevido.
- Basta!
Foi um basta, gritado, extraído com dor
do fundo do corpo, sem anestesia, sem carinho, deixando vago na alma, seu
suposto espaço.
O grito; o basta, extrapolou a barreira
do corpo, ressonou nas paredes próximas, quebrou vidraças e ganhou a liberdade
das ruas.
Sujo de saliva e sangue, misto de onda
sonora e corpo vivente, era um basta consistente e concreto.
A boca, havia sido criada para aquilo,
ser o que era, fazer o que vinha há séculos fazendo, quieta, resignada, calada e
cordeira. Ele, menino, filho, homem, esposo e pai.
Trabalho, casa; casa, trabalho.
Sentiu; homem, dores de parto; nadou em
amores renegados, andou descalço em saldos sem fundos, em contas, em desamores,
em trabalhos e em casas. Trabalho, casa; casa, trabalho.
Cérebro metálico, peça quase biomecânica,
tão frio e controlado que era, não deixava transparecer nada, a não ser o traço
de despreocupação e contentamento, na face externa e diariamente estudada.
Mas a boca; sempre ela, tentava falar,
como um vício difícil de largar, como uma praga daninha que não se aquieta e
não desiste de invadir o calmo campo semeado de candura.
Boca safada, insistente e atrevida,
querendo fazer-se pensante, metida à massa cefálica.
Boca controlada a força, camisa de força
feita de nervos e remorsos; temores e preocupações. Contida com esforço em prisão
domiciliar.
Cérebro, atento a tantos outros tentos,
tantos outros tortos, tantos outros outros; que se cansa, e como corpo,
fraqueja e manca.
A boca matreira, esperta e louca,
aproveita a deixa e berra!
Manda à merda a terra, a casa, a vida; a
fera.
Abre, se escancara e, como simples fosse, grita:
- Basta!
(Texto: Moacir Costa - Magro. Imagens: Internet)
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http://novelosnadaexemplares.blogspot.com.br/2014/04/ficcao-bala-perdida-de-moacir-costa.html
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