novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

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convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

FICÇÃO - Em volta

Este texto faz parte do livro Novelos Nada Exemplares. Insiro hoje pois sinto o coração pesado ao saber de senhoras de idade que passam o final de ano sozinhas. Ou que ficam em casa todos os dias de um ano inteiro, sem o convite de uma saída dos filhos já criados.
Lembro de ter visto uma vez uma história de uma senhorinha que morava com a família do filho e viu eles planejando uma ida à praia. Ela ficou bem empolgada, arrumando as malas, pensando no mar que há anos não via, e que nem conseguiu dormir de noite. Porém, no dia seguinte, de manhã cedo, ela viu todos arrumando o carro com as malas e a deixando na casa.

Nunca mais achei esta história.

Este conto "Em volta" foi escrito após a leitura de um conto de Cortázar.

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Casa cheia de crianças, este era o sonho.  Filha única, os pais trabalhando: sempre sozinha. Casou-se: sempre sozinha. Ainda conseguiu que o marido (fraca intervenção) lhe fizesse quatro filhos. Seu marido (fraca  atuação) abandonou o lar alguns anos depois para se ir com a moça mais nova. Aquela que não sonhava com filhos.
Sua vida transcorreu entre levar filhos para escola, para clínicas e hospitais, para casas de amiguinhos, ir trabalhar, fazer compras, remendar roupas, cuidar da casa e ensinar os filhos. Mesmo nos sonhos, de noite, estava cuidando, lavando, arrumando, levando os filhos para algum lugar. Pensava nos descansos dos fins de semana, mas os filhos a requisitavam para levá-los ao shopping, aos barzinhos, às casas dos novos amigos, novos namorados, ao cinema. Seus filhos sempre estavam à sua volta, sugando, dependendo.
Não levou nem um ano entre o casamento de um filho e a viagem de outro para os Estados Unidos. No ano seguinte, quando Junior foi fazer mestrado no Rio, a filha já tinha tudo planejado para fugir de casa com o rapaz que a mãe apenas tolerava.
Aposentou-se. Nenhum filho a visitava, ela descobriu que não tinha amigos pois não teve tempo para cultivá-los. Teve uma réstia de felicidade ao imaginar que agora poderia  descansar e ler seus livros que empoeiravam estantes. Nunca tivera tempo para eles.
Na semi-escuridão da sala, sentada na cadeira de balanço que finalmente pode usar, pousou o livro em seus joelhos artríticos, ao tomar consciência dolorosa da frase lida: "...onde há uma velha sentada num sofá, com uma casa vazia em volta".


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No livro Novelos Nada Exemplares há dois comentários, ao final do conto, de Icaro e Oraci. Mas não os colocarei aqui. Fica como curiosidade para lerem o livro.

Para fechar a reflexão, um vídeo. E que em 2015 possamos aprender a dar mais atenção aos idosos, convidando-os a passear de vez em quando. Viajar para a praia, sair um pouco, passear de carro...

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