MUTAÇÕES.
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A crônica completa:
Mutações!
A mudança - que eu ainda não
completei – está me trazendo muitas reflexões e
oportunidades.
Sempre
sonhei em ter meu canto, talvez pelo fato de ser a caçula de quatro, sempre ter
morado com alguém (primeiro no mesmo quarto que minha irmã), depois sozinha no
quarto que era dos meus irmãos (mas ainda com os pais), depois casada (com
marido), separada (voltei a morar com a mãe).
E,
como imaginava, estou adorando cada dia, cada minuto, cada segundo, sozinha.
Nos
primeiros dias não fiquei sozinha (estava amando alguém que veio dormir comigo,
jantar comigo, viver comigo – foi uma ótima iniciação no novo lar: amor), mas
estraguei tudo e a pessoa evaporou. Guardo-a num cantinho de minha alma (uma
sementinha para algum futuro?).
Agora,
totalmente só, observo as sombras, o vento uivando nas janelas, o caminho do
sol pelo apartamento, os pozinhos que se acumulam, os cheiros peculiares de
cada instante do dia... são pequenas grandes descobertas de nós dois: ap e eu.
Eu e ap.
Juntos
admiramos o nascer do sol, o pôr-do-sol, preparamos o lanche e a pipoca, a sopa
do final do dia, a rede na sacada (presente do primeiro amor do ap), o vinho na
sala vazia, o licor no escritório cheio de livros, a água ao lado da cama de
casal.
Sinto
uma vibração diferente no corpo. Procuro olhar com vagar as transformações
dentro de mim: mas quanto mais eu olho, mais eu vejo aquela menininha que
ficava em cima do armário do quarto, para fugir de todos. Para poder ficar
apenas olhando para a vida... pensando
na vida.
Fiz
50 anos. E descubro uma Receita de Estranhamento:
“Fique olhando para suas
mãos longamente. Observe a pele que não é mais esticada, as pequenas cicatrizes
(antigas das unhas de gatos e recentes da mudança), veja as unhas quebradas de
tanto carregar livros, a pele puxada ao lado da unha pelo hábito antigo
(resquício de quando roia unhas na infância?), as veias mais saltadas, a cor de
cada pedaço da mão. Quando sentir que está olhando para algo externo e
diferente, abra mais os olhos e a consciência: sim! É você mesma! Essas mãos
são suas. As mesmas mãos de menininha que pegavam os gatos, que subiam nas
árvores, que andavam de bicicleta e que já tinham o hábito de escrever.”
Sim. É estranho. Estranho
estar dentro deste corpo, como me era estranho estar dentro do mundo quando
criança. Sempre me senti deslocada, Quando criança, queria ser adulta. Agora,
adulta, me descubro uma criança. Já sou vista como velha. Mas não me sinto nem
um pouco velha.
Ainda tenho tanto a fazer,
tanto a amar, tantas promessas a cumprir.
E, ainda agora, olho esta
menininha aqui ao meu lado. A observo correndo pelo ap, dançando na sala vazia
ao som de M.J., ouço suas risadas por ter realizado este sonho antigo: ter seu
próprio canto.
E é admirando esta
menininha que sinto que finalmente estou me encontrando!
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