Gregory
Senter acordou um bicho-preguiça.
Lentamente, muito mais lentamente que o habitual,
saiu da cama e percebeu que em vez de pés e mãos tinha garras enormes e seu
corpo estava peludo. Depois de horas chegou até o banheiro (ao lado do quarto)
e viu seu rosto peludo através de olhinhos pequenos.
Não
sabia o que pensar, pois até seus pensamentos eram lentos, pareciam vozes em
baixa rotação que chegavam de muito longe e até ouvir cada uma das palavras, já
havia esquecido das primeiras... e assim não completava sequer uma frase.
Como
se sentia muito cansado resolveu voltar para a cama.
Após
longa viagem se deitou e fechou os pequenos olhinhos, a tempo de escutar sua
mãe lhe dizendo: “Gregory, você vai chegar atrasado para a escola...”
Ela sabia que seu filho sempre se enrolava na cama e
só levantava no último instante a tempo de comer algo, se arrumar e sair
correndo para escola. Assim, deixou-o e foi arrumar a mesa. Gregory escutava
seus irmãos se levantando, a cachorrinha correndo pela casa, sentia até seu
rabo abanando e seus olhos acompanhando todo o movimento, como se também ela
fosse para a escola. Um arrepio instintivo de bicho contra bicho levantou seus
pêlos lentamente... até mesmo o arrepio era lento!
Percebeu,
depois de muito tempo pensando, que lhe era agradável escutar a mãe falando seu
nome... continuou pensando porque isso acontecia.
Sua
mãe bateu na porta que ele trancava desde que começou a imaginar a Sandy com
ele na cama e fazia “aquilo” que era tão gostoso, mas que parecia ser errado.
Acostumada a não ouvir respostas de seu filho que sempre acabava se levantando
e indo para o colégio ela só dava leves batidas na porta e continuava indo para
lá e para cá, vendo como os gêmeos, que eram menores, estavam lidando com as
roupas e mochilas de escola, perguntando se já escovaram os dentes, confirmando
se os cabelos estavam penteados.
A
filha, maior que Gregory, ainda se arrumava, pois tinha que pentear os cabelos
várias vezes, colocar e tirar várias roupas, até se sentir satisfeita com a
aparência. Se a mãe não ficasse em cima dela, se atrasariam para a aula.
Gregory
escutou todos se arrumando, tomando o café e ouviu o barulho da porta se
fechando, do carro sendo ligado e depois o ronronar do motor se distanciando.
Estranhou que ninguém tivesse percebido sua ausência no carro. Mas na verdade
quase ninguém percebia sua presença mesmo.
Passou
o dia explorando o quarto, achou migalhas de biscoitos embaixo da cama. Viu a
empregada que entrava com a chave extra, ela arrumava a cama, sacudia os
cobertores na janela, passava uma vassoura rapidamente e ia para os outros
quartos. Ouviu a família que voltava, aos poucos, desarticulados, para o
almoço. O almoço nunca era com todos ao mesmo tempo, iam chegando e almoçavam.
Geralmente Gregory era o último a chegar para o almoço e ficava com o que
restou. Ninguém sentiu falta dele. Gregory foi diminuindo de tamanho durante
todo o dia.
No
dia seguinte sua mãe sequer bateu em sua porta. Gregory estava tão pequeno que
podia passar por baixo da porta e ia para a cozinha pegar restos de comida
antes que a empregada lavasse o chão. Geralmente ficavam ao lado da lixeira.
Apenas tinha que tomar cuidado com a cachorrinha que tentava pegá-lo. Ela
sempre foi uma exímia caçadora de baratas e ratos da casa.
Semanas
passaram, Gregory geralmente ficava dentro do armário, pois era seu lugar
favorito: o espaço interior do armário é íntimo e não abrimos o armário para
qualquer um. A empregada quase não entrava no quarto, pois a cama estava sempre
arrumada e muito menos abria o armário, principalmente agora, que não havia
mais roupas a serem lavadas e guardadas como no início. Um dia um dos gêmeos
achou o quarto vazio e Gregory, de dentro do armário, ouviu-o dizer: “Mãe, este
quarto está vazio. Posso ficar com ele?” A mãe entra e Gregory a vê pela fresta
da porta depois de tempos sem a ver. “Nossa! Um quarto vazio e vocês dois lá
naquele quarto, apertados! Claro que pode se mudar para cá!”
Tempos
depois, cansado de ficar se espreitando em cantos da casa, Gregory foi ao
quarto da mãe e ficou esperando a oportunidade. A mãe tinha um porta-jóias sem
chave. Era uma caixa de madeira com segredo e sua mãe dizia que nela estavam
todas as coisas inesquecíveis. Conseguiu entrar na caixa em um dos raros dias
em que a mãe a abriu. Acomodou-se entre os anéis e os brincos e passou o resto
de sua vida entre as jóias da mãe. Bastava uma leve pressão secreta para abrir
a caixa e libertá-lo. Mas ninguém a fez. O cofre tem muitos segredos para ser
aberto aleatoriamente.
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