novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

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convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

domingo, 27 de outubro de 2013

FICÇÃO - Metamorfose brasileira

Este conto está no meu livro Novelos Nada Exemplares.... mas como hoje é aniversário do "muso" do conto, eu posto aqui como homenagem.


Gregory Senter acordou um bicho-preguiça.
Lentamente, muito mais lentamente que o habitual, saiu da cama e percebeu que em vez de pés e mãos tinha garras enormes e seu corpo estava peludo. Depois de horas chegou até o banheiro (ao lado do quarto) e viu seu rosto peludo através de olhinhos pequenos.
Não sabia o que pensar, pois até seus pensamentos eram lentos, pareciam vozes em baixa rotação que chegavam de muito longe e até ouvir cada uma das palavras, já havia esquecido das primeiras... e assim não completava sequer uma frase.
Como se sentia muito cansado resolveu voltar para a cama.
Após longa viagem se deitou e fechou os pequenos olhinhos, a tempo de escutar sua mãe lhe dizendo: “Gregory, você vai chegar atrasado para a escola...”
Ela sabia que seu filho sempre se enrolava na cama e só levantava no último instante a tempo de comer algo, se arrumar e sair correndo para escola. Assim, deixou-o e foi arrumar a mesa. Gregory escutava seus irmãos se levantando, a cachorrinha correndo pela casa, sentia até seu rabo abanando e seus olhos acompanhando todo o movimento, como se também ela fosse para a escola. Um arrepio instintivo de bicho contra bicho levantou seus pêlos lentamente... até mesmo o arrepio era lento!
Percebeu, depois de muito tempo pensando, que lhe era agradável escutar a mãe falando seu nome... continuou pensando porque isso acontecia.
Sua mãe bateu na porta que ele trancava desde que começou a imaginar a Sandy com ele na cama e fazia “aquilo” que era tão gostoso, mas que parecia ser errado. Acostumada a não ouvir respostas de seu filho que sempre acabava se levantando e indo para o colégio ela só dava leves batidas na porta e continuava indo para lá e para cá, vendo como os gêmeos, que eram menores, estavam lidando com as roupas e mochilas de escola, perguntando se já escovaram os dentes, confirmando se os cabelos estavam penteados.
A filha, maior que Gregory, ainda se arrumava, pois tinha que pentear os cabelos várias vezes, colocar e tirar várias roupas, até se sentir satisfeita com a aparência. Se a mãe não ficasse em cima dela, se atrasariam para a aula.
Gregory escutou todos se arrumando, tomando o café e ouviu o barulho da porta se fechando, do carro sendo ligado e depois o ronronar do motor se distanciando. Estranhou que ninguém tivesse percebido sua ausência no carro. Mas na verdade quase ninguém percebia sua presença mesmo.
Passou o dia explorando o quarto, achou migalhas de biscoitos embaixo da cama. Viu a empregada que entrava com a chave extra, ela arrumava a cama, sacudia os cobertores na janela, passava uma vassoura rapidamente e ia para os outros quartos. Ouviu a família que voltava, aos poucos, desarticulados, para o almoço. O almoço nunca era com todos ao mesmo tempo, iam chegando e almoçavam. Geralmente Gregory era o último a chegar para o almoço e ficava com o que restou. Ninguém sentiu falta dele. Gregory foi diminuindo de tamanho durante todo o dia.
No dia seguinte sua mãe sequer bateu em sua porta. Gregory estava tão pequeno que podia passar por baixo da porta e ia para a cozinha pegar restos de comida antes que a empregada lavasse o chão. Geralmente ficavam ao lado da lixeira. Apenas tinha que tomar cuidado com a cachorrinha que tentava pegá-lo. Ela sempre foi uma exímia caçadora de baratas e ratos da casa.
Semanas passaram, Gregory geralmente ficava dentro do armário, pois era seu lugar favorito: o espaço interior do armário é íntimo e não abrimos o armário para qualquer um. A empregada quase não entrava no quarto, pois a cama estava sempre arrumada e muito menos abria o armário, principalmente agora, que não havia mais roupas a serem lavadas e guardadas como no início. Um dia um dos gêmeos achou o quarto vazio e Gregory, de dentro do armário, ouviu-o dizer: “Mãe, este quarto está vazio. Posso ficar com ele?” A mãe entra e Gregory a vê pela fresta da porta depois de tempos sem a ver. “Nossa! Um quarto vazio e vocês dois lá naquele quarto, apertados! Claro que pode se mudar para cá!”
Tempos depois, cansado de ficar se espreitando em cantos da casa, Gregory foi ao quarto da mãe e ficou esperando a oportunidade. A mãe tinha um porta-jóias sem chave. Era uma caixa de madeira com segredo e sua mãe dizia que nela estavam todas as coisas inesquecíveis. Conseguiu entrar na caixa em um dos raros dias em que a mãe a abriu. Acomodou-se entre os anéis e os brincos e passou o resto de sua vida entre as jóias da mãe. Bastava uma leve pressão secreta para abrir a caixa e libertá-lo. Mas ninguém a fez. O cofre tem muitos segredos para ser aberto aleatoriamente.






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