Incrível como uma simples charge pode trazer imagens antigas de uma infância ao mesmo tempo alegre e dolorida.
Pratos com comida que ficavam horas intermináveis à minha frente. Dedos finos que cutucavam a minha mãe querendo dizer algo, mas com a boca silenciada pelo medo.
Rostos zangados e olhares recriminadores que sobrevoam lugubremente recantos carvoados do passado.
Mas... por vezes pinceladas alegres cintilam como piscadas cúmplices de ternura.
Uma delas é quando perguntei ao meu pai por que haviam tantas pintas no meu corpo. Ele teve a sensibilidade de perceber que marchetada na pergunta estava um dissabor de ter um corpo "maculado".
Tocando delicadamente cada uma das pintas nos braços e no peito foi contando a história de minha criação:
"Quando o Grande Arquiteto fez você, tomou o máximo de cuidado de fazer tudo com excelência: uma menina linda, com cachos negros, pele alva, (e assim ele foi me descrevendo) até que por último, com pinceladas impecáveis e delicadas ele pintalgou seus olhos de jabuticaba. Ao olhar a obra-prima, não se conteve e com um largo gesto de braço exclamou: 'Perfeito!' Mas ele esqueceu que ainda estava com o pincel na mão, respingando gotículas de tinta pelo seu corpo. Porém, este acidente criou outra perfeição, pois você tem uma constelação em seu corpo, como este triângulo preciso em seu peito."
Desde aquele dia, cada pintinha marrom em meu corpo foi motivo de alegria, pois lembrança de minha "perfeição".
Poesia fez presença na minha vida através de meu pai. E foi com ele que meu olhar sobre as coisas se modificou.
(texto: Susan Blum. Imagens: internet, com exceção da foto das estrelas que é minha)
Texto lindo e delicado.Tocante, tocante, tocante. Amei.
ResponderExcluirEu estava sozinha com o pai no escritório dele. Ninguém sabia dessa história. Só um amigo. Mas quando ele me disse que isso era muito poético, resolvi escrever.
ExcluirQue encantador! Muito lindo!
ResponderExcluirObrigada, Lissa... Meu pai morreu quando eu tinha uns vinte anos. Mas ele me trouxe poesia.
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