novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

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convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

domingo, 20 de abril de 2014

REAL (ou ficção) - Visita do espírito

Ei leitor! Que dia é hoje?
É Páscoa, senhora.
Então FELIZ PÁSCOA!


Esta noite (19 de abril de 2014) recebi, ao badalar da meia-noite do relógio do vizinho, uma borboleta-espírito.
No começo achei que fosse sonho, mas tinha acabado de deitar e fiquei observando aquelas asas encarquilhadas, cheias de nervuras abertas, com a ausência de quitinas. Ela não era tão bela quanto viva, era mais fria, sem cores. Mas havia beleza nestes “ossos” aparentes dela.

Pensei em levantar para pegar a Sony ou a Nikon e tirar fotos dela voando pelo quarto.
Mas ela reagiu, como que enfurecida (vi isso mais pelos gestos de “ameaça” dela comigo do que por alguma linguagem, já que ela não tinha cabeça nem corpo. Apenas as asas secas, mas ainda maleáveis para voar). Sentei-me na cama, liguei o abajur na luz mais fraca, pois não queria machucá-la (esqueci que ela não tinha olhos?) (ou era para ainda achar que fosse sonho?), e fiquei a observar.
Então ela me disse (não me pergunte como, caro leitor, afinal nem sempre entendemos as coisas que acontecem conosco - nem em sonhos, nem em vida), que ela era o primeiro espírito que me visitaria nos próximos 3 dias. Na hora achei que fosse piada, pois não é Natal. Hoje é domingo de Páscoa e os três dias de Cristo já se passaram, ele já ressuscitou. (Não que eu me ache Cristo, mas também não me acho sovina - ok parentes, se abstenham de comentários!).
Ela – daqui por diante a chamarei de Lepi Seca – então iniciou sua fala:
- Você era uma menina muito quieta, mas ao mesmo tempo traquinas. Gostava de observar as pessoas, mas não fazia o bem como devia. Chegou a roubar de uma amiguinha um brinquedinho bobo.  Não ajudava sua mãe como devia. Não obedecia o tempo todo a seus pais. Por isso levou um tapa de sua mãe (uma única vez na vida).
Confessei minha culpa com meu olhar que se abaixou para a coberta fina. (leitor, só agora que descrevo o que me aconteceu de noite é que percebo o quanto foi parecido ao gesto de cachorros que sabem que fizeram besteira quando lhe chamam  a atenção).
Um silêncio prolongado se seguiu e achei que poderia levantar os olhos, pois a Lepi Seca já não deveria estar mais ali. Mas o bater das asas já a denunciou antes de meus olhos totalmente levantados.
_ Você teve uma adolescência incomum, cuidando de um pai paralítico, mas sabia que podia ter feito muito mais. Que se escondia no quarto, ou procurava sair de bicicleta pela vizinhança, escondendo a mesma no meio do mato e subindo em árvores, passando a tarde ali, só para não ter que ver o pai ou ajudar sua mãe em casa ou com ele.  Fingia que ia fugir de casa. Imaginava pedindo abrigo nas casas maiores, nem que fosse como empregada, mas logo lembrava que detestava limpar seu quarto. Quanto mais uma casa inteira. Então desistia de fugir e voltava para casa de tardezinha.
Novamente abaixei os olhos culpados, desta vez sabendo que não adiantaria ficar com eles baixos por muito tempo. A Lepi Seca continuaria ali. Então deveria enfrentar de vez tudo para me livrar logo desse ser ao mesmo tempo fascinante, mas que me trazia lembranças dolorosas.
Antes mesmo de levantar ela continuou – eu quase perguntei para que a visita de mais espíritos se ela estava me dissecando por inteiro – mas o farfalhar das asas me fez ficar quieta e continuar ouvindo:
- Na  faculdade você se escondia nos livros e estudos ou no trabalho, que cedo iniciou, com 17 anos, para novamente fugir de ajudar. Sentiu-se aliviada com a morte dele. Entrou na Gnose para sair da cidade. Sempre fugindo. Achava que estava fazendo o bem para os outros. Casou-se como novo tipo de fuga. Trabalha como fuga. Comprou um apartamento como fuga. Você não faz nada para os outros.
Dessa vez não consegui me calar. Precisava me defender.  Retruquei que trabalhei por anos em uma ONG para menores carentes, que procurava (por decisão minha e trato comigo mesma) fazer ao menos UMA coisa boa para alguém por dia. Que procurava ajudar aos demais, que estava cuidando de minha mãezinha  (tanto na primeira cirurgia dela, quanto nesta de agora); que procurava atender bem aos alunos, incentivando a ética e bondade neles; que estava com o projeto FESTA; que dava aulas (sem receber nada por isso) para os haitianos; que procurava  ajudar aos amigos e as pessoas ao redor; que participava de doações para algumas instituições.
Ela apenas deu uma sacudida de asas como se fosse um “dar de ombros”.
Calei-me. Não entendia. O que mais eu podia fazer? Sou só um ser humano.
Lepi “riu”: - mais fugas. Continua fugindo do principal.
E eu, sentindo calafrios que associei à febre da noite, finalmente fiz a primeira pergunta dirigida à ela:
- Do que estou fugindo? O que me falta fazer?
- Se amar mais, se doar mais para você mesma. Já não disse Ele: amai uns ao outros como a si mesmos?  Você se ama de verdade, Susan? Daria sua vida por você?
Então acordei. Essa é a questão! Minha consciência teve um despertar tão forte quanto o estalido das asas secas de Lepi.
***
Lépida me sentei na cama ao tocar do celular. O domingo já começou há algumas horas. Ressuscitei.

Não sei se terei mais visitas ... mas Lepi permaneceu aqui. Ela pousou no meu homem de desenho.   
(Texto e imagens: Susan Blum - baseado em um sonho)

2 comentários:

  1. Você é uma grande pessoa, pequena Susan. Se reconhecer é dolorido, renascer é corajoso. Que a visita profética dessa noite possa lhe render a descoberta pessoal o quanto você é especial. Que você possa aplicar em si mesma tudo aquilo que representa para os outros a quem tanto faz bem (falo por mim, uma estranha que foi acolhida prontamente, sem reservas). Presenteie-se nesse dia com você mesma, porque você é o melhor presente que existe!

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    1. Vany. Sou apenas um ser em constante construção. Nada mais. Quanto ao acolher uma "estranha", a humanidade é uma grande família. Não poderia ter feito diferente com vc. Obrigada por me ler e por me apoiar sempre. Um GRANDE abraço. Vc é um ser cheio de luz... não esqueça disso jamais!

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