novelos soltos, emaranhados, organizados, escondidos, fiapos da vida......

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convido-os a desenrolar alguns fios reais e ficcionais

terça-feira, 20 de outubro de 2009

FICÇÃO - DESDOBRAMENTO


O corpo inflando como balão, a língua inchando dentro da boca, o corpo flutuando e o teto do quarto se aproximando. Horror, medo e a queda abrupta ao corpo na cama... sempre a mesma coisa.


Desde pequeno a mesma sensação: ao ir dormir, a língua fica “gorda” e o corpo infla. O medo, o retorno. Não consegue dormir direito. Quando comentou isso com os pais, a mãe, religiosa, ficou rezando apavorada, achando que algum demônio estava querendo roubar seu filho precioso. O pai, um pouco místico, mas não religioso, leva o filho a uma Associação gnóstica.


O instrutor lhe explica que o nome disso é desdobramento astral, que a psique do menino sai do corpo para ter novas experiências. Mas que ele não precisa se preocupar em se perder, pois há um fio chamado antakarana (ou cordão de prata) que liga a psique ao corpo. É este fio que a Morte corta com a foice. Diz que o desdobramento é bom e que todos fazem isso, mas alguns tem consciência e outros não. O menino explica que tem medo de bater no teto e se machucar. Por mais que o instrutor diga que isso não vai acontecer, ele tem medo. Por fim, o instrutor tem uma idéia: diz ao pai do garoto para deixar uma fresta aberta na janela e diz ao menino para sair por ali. O menino resolve experimentar.


Naquela noite o pai deixa uma frestinha na janela e o menino, ao sair do corpo passa por ali. Nem sequer questiona o fato de seu corpo grande, apesar de infantil, conseguir passar por um espaço tão minúsculo. Está feliz de estar flutuando, ainda com um pouco de receio, mas feliz, pois sempre gostou de sonhar que voava.


Planava feliz vendo a cidade, as pessoas, quando resolve ir até a chácara do avô. Mas de repente sente uma forte atração... seu corpo está sendo puxado por algo... energia, atração irresistível... flutua agora tão rapidamente e sem controle, que nem tem tempo de perceber que são os fios de alta tensão dos altos postes. Essa energia atrai seu corpo astral e ele não consegue resistir.


Manhã cedo, o pai se levanta feliz para ver se deu certo a experiência com o filho. Encontra sua esposa abraçada ao corpo frio do filho dizendo:


_ O demônio conseguiu levar meu menino!

(pintura de Chagall)

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