(este conto faz parte do livro Novelos Nada Exemplares).
O chocolate quente amolece meus dedos gelados entorpecendo o frio do corpo. As mãos se espalmam na grande xícara e fico observando, da varanda do apartamento baixo, o movimento logo abaixo, na rua escurecida de fim de dia invernoso.
Os olhos passeiam sem objetivos, até que descobrem a tocaia. Sim, é isso mesmo, confirmo, ele está de tocaia de novo.
Noto os olhares sanguinolentos que ele lança para as vítimas. Sua boca estremecendo prevendo o prazer perverso.
Lá vem uma provável vítima, fico tentada a gritar, a alertar, mas permaneço quieta apenas observando.
Ele. Ela. Aproximação. Pobre, ela está tão entretida em apertar o casaco contra o corpo para espantar o frio que nem sequer nota a sua presença.
Sinto o tensionamento diabólico dos músculos dele, preparando-se para o "bote". Sinto o hálito quente de sua boca insaciável, que encosta no lóbulo e que arrepia as costas da orelha. Sei disso, pois já passei por isso... relembro o prazer lupino no ataque às pessoas desprevenidas (mesmo as prevenidas são vítimas)... rememoro o meu susto, do pulo do corpo, do coração saltando na boca, da raiva pós-ataque...
Sim... já fui vítima dele. Então decido avisá-la. Mas é tarde.
Escuto - realmente escuto - o latido forte que ele dá. E vejo o corpo saltando, esquecendo totalmente do frio intenso.
(Texto: Susan Blum. Foto: Marlyn Tows)
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